segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Planando na Paulista do 19º andar


Ainda olho da janela. Gosto das janelas. Dessa ampla, que dá para ver o céu além dos prédios. E as ruas retas e longas que continuam. Também vejo luzes. Sintéticas e as feitas de poeira estelar. Todas misteriosas.
Também gosto do elevador. Ele sobe continuamente, parece que chego na torre escondida onde a vida interna pulsa. As vizinhas, mineiras. Daquela que viajam e um dia vão voltar a conviver com as cores. Nunca me convidaram para o jantar, mas me emprestaram o chuveiro. O canteiro no fundo é de um jardim encantado. Lá mora uma pricesinha de cabelos longos, encaracolados e escuros. O princípezinho nasceu há pouco. Estante de livros, árvore de natal, flores de plástico. Tudo para tornar a vida mais desenhada. "Elas não morrem". Diz o amigo na desvairada noite enquanto o elevador gigante de serviço não chega.


Aqui também pisei macio. Desconfiada dos anos de vidas desses ácaros, mas certa de que o chão é coberto. De carpete rosa. No meu quarto de menina. Incríveis móveis Dinucci da década de 40. Rosa, branco, dourado. Uma linda história de amor se passou aqui. No passado empoeirado de 50 anos atrás. E no recente de alguns meses. Aqui aprendi a amar e a desgostar. Mas principalmente me apaixonei por mim. Enlouquecidamente. E passei a acordar consciente de que dormi. Depois de noites inquietas, despertar noturnos e inesperados. Aqui ficou bonito, mas denso demais para uma alma que aprendeu voar com a brisa. Planando na Paulista. 



Acordei diversas manhãs-madrugadas com o meu amigo Sol a me cumprimentar. Ele que me acompanha mesmo nas ruas frias de São Paulo. Dancei nesse sofá duro. Botei gente pra dormir no chão. Derrubei vinho no carpete marrom. Meia luz. Luz inteira. Comprei plantas. Desfiz nós. Nunca montei o varal de roupas. 

O espelho imponente a me espreitar logo na entrada como a me dizer: "Olá. Tem gente aqui". Ah, sim. Tem gente. Tem histórias. Incontáveis. Mas eu passei. Ouvi constantemente o barulho dos ônibus a acelerar nas horas frenéticas da semana. Vi as pessoas bonitas, principalmente pela certeza, ao caminhar sábado pelas calçadas. Vi a passeata Hare Krishna. Da colorida, me "absti". Do Reveillon eu fugi. Bebi dinheiro nos bares do "Prainha" e fica minha homenagem ao Pier, onde encostei meu barco pirata por diversas noites.  Aquela abraço para o atendente simpático do bar ao lado do metrô. Para o porteiro meu fã, aquele abraço! Para o outro que fala mais do que o velho da cobra, aquele abraço também. Passo um dia por aqui e te pago uma cerveja. À todos os famosos e interessantes que não conheci, um beijo estalado. Aos loucos de plantão, saudades! Um dia encontro vocês. Quem sabe. 

À Rose minha querida, reverências. Pelas doses de bom senso. Pelo exercício do amor e da amizade. Ao senhor Fernando, que figura! Me proporcionou alguns testes de resistência com a porta do armário despencando na minha cabeça e três banhos gelados no inverno. Vai se despedir de mim com um macarrão à putanesca que ele aprendeu a fazer em Roma. Se ficar bom, eu conto. Ou não. Eu como. Vou feliz. Planando na Paulista.

Desço a Brigadeiro contente. Volto dançando no eterno vai-e-vem da teoria das supercordas. Shivaya canta e dança no som enquanto eu escrevo. Nesse mundo que vira. Eu amo dançar. Um pé lá, outro cá. Prontos pra mudar de lugar.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sobre o amor de alguém

"Daqui a pouco terei um filho chamado Vicente. Neste instante ele se encontra na barriga de sua mãe, que é meu amor e minha mulher. Ele ainda não me viu, embora eu já o tenha visto em meus sonhos, correndo pra lá e pra cá, rindo alto como faz todo moleque azougado.
Acho que ele vai ser uma criança bacana, dessas que respeitam os mais velhos, comem salada e amam seus amigos. Tomara que seja corajoso feito a mãe – porque o pai é um frouxo. É duro pensar essas coisas, mas quando ele estiver crescidinho terei de confessar: “Filho, teu pai morre de medo de planos econômicos, golpes de estado e reformas ortográficas”. Seria muito bom que ele não tivesse vergonha de dançar e, se jogasse bola, chutasse bem com os dois pés.
Mês que vem, ele vai nascer. A barriga da mãe está enorme, a gente fica olhando e pensando no tempo, na natureza, nas bonitezas que há por aí. É como se o universo agora fosse regido por uma nova órbita cujo eixo é o umbigo de Andrea. O coração de Vicente é a força motriz que alinha os astros, regula as marés, alumia o dia.
A gente vai festejar. Reunir os amigos para falar de coisas grandes e pequenas, dragões que cabem no bolso e peixes que sabem cantar. A festa será no domingo - enquanto Deus cochila.
Logo, logo serei ancestral. Meu filho evém. Mastigando nuvens, conduzindo barcos de papel. E eu serei homem de outro sopro, de outro barro. Volto a ser menino quando me tornar avô.
Domingo, ainda serei menino".

P.S.: Esse é um convite de Evandro Camperom. Não incluiu leitores e ouvintes da sua boa música. Mas eu admiro a sensibilidade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Começo do círculo

Eu moro nesse apartamento
E aqui tudo é mais fácil
Eu tenho esse carro
E assim tudo é mais rápido

Mas quando eu olho o relógio
Há algo estático
Parado instante

Onde está o coração?
Aquele que respira
Suspira

Que dança na chuva
Ao som de Shiva

Onde está esse dia
Que não estou nele?

P.S.: Sobre a vida do alto do olho do furacão

Em busca do itinerário

Sentada no banco da praça
Enquanto o meio-dia morre no céu
No horizonte uma árvore de formas infinitas
Onde os passarinhos brincam de pular
- O que cantas, passarinho?
- Psiu, escuta o alvorecer dentro de ti!